Venho em defesa de mais um escritor, dessa vez foi Roald Dahl censurado, o criador de clássicos infantis, confira matéria abaixo:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv238vp57p5o
Sobre censura de clássicos
Quando eu vejo vídeos no Youtube, filmes e matérias sobre clássicos, percebo um movimento de pessoas que querem recuperar obras escritas sem censura, como é o caso de O Diário de Anne Frank ou O Retrato de Dorian Gray, que por exemplo sofreu muitas censuras em sua época por ter diálogos com conotação homossexual.
Mas o irônico é que os mesmos que acham essa censura absurda são os que aplaudem outras censuras, dependendo assim do que é certo ou errado que se fale. São valores que estão em jogo, e não a liberdade.
Roald Dahl pode ter um lado controverso que desconheço, ao que a reportagem conta, ele teria sido acusado de antissemita.
No entanto, as editoras modernas têm se proposto a reescrever os clássicos do autor, como A Fantástica Fábrica de Chocolates, sem a utilização de termos como “Gorda” ou “feia”. A substituição de um termo pejorativo por um eufemismo.
Isso tem problema? Tem!
Reescrevendo os clássicos
O primeiro problema é a reescrita em si. Imagine, tente se colocar no lugar, que você escreveu um livro. Ok? Alguém gostou do seu livro, publicou ele, e fez sucesso. Certo? Bem, certo dia querem fazer uma nova edição do seu livro. Porém para isso mudam todo o texto, trocam palavras que MUDAM O SENTIDO DO QUE VOCÊ QUER DIZER, e, no entanto, colocam o título do seu livro e o SEU NOME. Ou seja, não se trata de uma adaptação, mas de uma adulteração da obra original.
Isso chamo de DESRESPEITO. Sim, isso é espezinhar a obra de um autor.
Qualquer autor sensato vai preferir uma crítica sincera. Ninguém é obrigado a gostar de um livro ou de seja lá o que for. Você pode desaconselhar as pessoas a lerem determinadas obras e mesmo pode repudiá-las. Mas distorcer o texto original, além de errado, acaba sendo um “tiro no pé” de quem critica, de maneira a transformar o “vilão” em questão em “bom mocinho”, colocando para baixo do tapete as coisas que ele de fato pensava e tanto quis exprimir em sua obra, o que é direito seu. A liberdade de expressão.
Se Roald Dahl tinha ideias controversas, vamos conversar sobre isso. Assim como esses dias tratei do controverso Lolita de Nabokov. Uns amam, outros odeiam. Mas o livro existe e seu debate nos enriquece. Se mudássemos os termos utilizados pelo autor empobreceríamos e tiraríamos o sentido da obra!
Influência sobre as crianças
Outra questão ainda da troca de termos é o fato de termos um “bom motivo para fazer isso”. Com a alegação de protegermos nossas crianças de más ideias, roubamos dos pais a prerrogativa de determinar o que é bom ou mal para seus filhos. Sendo que esconder a realidade das crianças, na minha opinião, nunca foi uma boa alternativa para elas.
Vou fazer uso das palavras do escritor de Matadouro cinco, Kurt Vonnegut, quando disse em uma carta para a escola que proibiu o seu livro entre seus alunos:
“Vocês devem expor os seus filhos a todo tipo de opinião e informação a fim de prepara-los melhor para tomar decisões e sobreviver”.
Recomendo o episódio “Arkangel” da série da Netflix Black Mirror, muito interessante que fala sobre a superproteção dos pais que deixam seus filhos alienados. Deixo link:
Como disse Charles Bokowski numa carta: “A censura é a ferramenta das pessoas que precisam esconder a realidade de si mesmas e dos outros… Não tenho raiva delas. Só fico muito triste. Quando eram crianças, foram protegidas dos fatos da vida. Só lhes ensinaram um modo de ver, quando existem muitos.”
Uma boa adaptação
Por fim gostaria de usar um exemplo do bom uso das obras e particularmente de Roald Dahl. O filme Matilda de Danny DeVito marcou minha infância. Já adulta li o livro do autor (que deixarei link da Amazon aqui) e percebi as mudanças criadas pelo diretor. O livro tem o contexto inglês ao que Danny adaptou para realidade americana. O final do filme, na minha opinião, foi muito mais sensível e bonito que o do livro de Dahl, que deixa a desejar. As piadas e até as colocações do narrador são muito melhores que a do livro. Mas foi uma ADPTAÇÃO, uma releitura, não uma adulteração como já tivemos nas caixinhas de leite do supermercado, que você pensa que está tomando leite, mas está tomando formol com leite.
Deixe o homem descansar em paz, discuta com seu filho o que há de bom e de ruim no que ele assiste na tv ou lê nos livros e talvez e principalmente o que ouve na escola. Aí sim você estará construindo um pensamento crítico nos nossos futuros adultos.
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