Lolita – Vladimir Nabokov (Um livro para ler com atenção)

Lolita é (e foi em sua época) um livro extremamente controverso, uma vez que o narrador em primeira pessoa é um pedófilo que vai contar seu “romance” com a adolescente Dolores Haze de 12 anos.

Alguns críticos entendem que Humbert Humbert é manipulado pela jovem que usa de bajulação, extorsão e sedução para conseguir tudo o que quer dele sabendo de sua má tendência pedófila. Nesse post minha intenção é provar quão errado esse ponto de vista está, usando como base o texto que Nabokov nos entrega em que sobram deixas e momentos em que a consciência sonolenta de Humbert deixa escorrer percepções da silenciada Lolita e nos mostra sua verdadeira face.

Lolita: um livro muito bem escrito

Pra começo de conversa o livro é bem escrito pra caramba! Eu sei que não sou boa escritora, mas sei quando leio um livro que foi bem escrito. Por isso posso dizer: Lolita é muito bem escrito. Com termos incomuns que tive que buscar o significado, frases inteiras em francês que tive de traduzir e uma forma de colocar as coisas mais poeticamente que o normal. Dá gosto de ler.

Lolita tem humor

Apesar do tema pesado, o autor criou um personagem irônico que debocha da sociedade em que está inserido com seus termos sofisticados, algumas cenas beiram o ridículo, o que realmente é cômico em alguns momentos.

Duplo

O nome Humbert Humbert é assim repetitivo para mostrar o quanto o personagem é vaidoso e egoísta ao extremo. São engraçadas as partes em que ele se descreve como homem bonito, viril, que conquista qualquer mulher e irritantes os momentos de auto piedade.

Outra teoria, minha mesmo, é que o nome é assim pois ele se refere à si no plural “nós fizemos” ou fala das diversas facetas de sua personalidade “Humbert romântico”, “Humbert sínico”.

História de amor?

Não! O amor é abnegado, e isso não é característica de Humbert, que é extremamente egoísta, manipulador e se utiliza da jovem à seu bel prazer. Isso não é uma história de amor, talvez de amor próprio e abuso.

Resenha

Prestem atenção no que aconteceu com os personagens, isso está no prefácio, não é spoiler, pois o prefácio faz parte da história, sendo escrito por um personagem do autor. (Eu não prestei atenção na ocasião que li, tente atentar).

Nas primeiras 30 páginas do romance o narrador vai explicar-se. Vai se admitir pedófilo, vai deixar claro o tipo de atração sexual que tem por meninas na faixa de 9 à 14 anos, de quadril estreito e corpo magro como de uma criança. No entanto o comportamento dessa menina vai ser relevante, sendo de uma moça sexualizada mais cedo. Ele vai chamar essas meninas de ninfetas.

Aí começam os jogos de palavras de Humbert Humbert, que se dirá “Enfeitiçado” ou “encantado” por essas “crianças – demônio”, como ele chama. Além disso vai trazer culturas e personagens históricos que aprovavam a pedofilia e o incesto, de certa forma, começa a transferir sua responsabilidade e diminuir sua culpa.

Conta histórias de meninas que ele se utilizou, todas prostitutas menores de idade ou conta suas manias de ir à parques ou espreitar estudantes nos ônibus.

Muitos detalhes repulsivos.

Humbert Humbert vai contar como recorreu ao casamento para tentar se “curar” desse mal, mesmo que a noiva dele fosse uma mulher com características infantis. Nesse relacionamento vai chegar um momento que ele começa a demonstrar outros traços da sua personalidade perturbada quando fala em homicídio e espancamento.

Vai para os EUA dar aula de francês para uma moça, e os interesses dele com essa menina são claros, pois sabe que ela tem 12 anos. Quando ele chega porém, a casa dessa família pega fogo. Uma senhora o convida para morar com ela. Ao inspecionar a casa, vai detestar tudo nela, o que é muito engraçado. Por mais que Humbert seja um personagem perturbado, ele tem um sarcasmo com tudo o que vê, é muito detalhista e chega ao ponto de ser fresco mesmo, cheio de tiques e nojinhos, cheio de costumes europeus e muito sínico.

Porém na hora que chega na jardim, tudo muda ao encontrar Lolita. O narrador vai contar seu encantamento com essa criança que lembra o seu primeiro amor de infância, uma menina chamada Anabel. Sua decisão muda instantaneamente e decide se hospedar na casa, obviamente.

Ao conviver com a “ninfeta” de seus sonhos, ele vai escrever um diário de seus dias ao lado de sua ninfeta. Nesse ponto o livro vai dar a impressão de um de romance erótico proibido. Aí está boa parte da polêmica envolvendo essa ficção . O autor conta que as editoras rejeitavam seu livro porque só liam essa primeira parte e julgavam que a história ficaria numa espécie de romance pedófilo. Como muitos ainda entendem Lolita erroneamente.

Na página 63 vamos perceber, pra quem ainda não tinha certeza, que Humbert é obsessivo por Dolores, vai pegar uma anotação dela com os nomes de todos os colegas da escola e decorar nome por nome. Inclusive fazer brincadeiras com esses nomes.

Ele vai se orgulhar quando percebe que Lolita vê nele uma figura atraente como a dos artistas de suas revistas adolescentes.

Nessa vida ao lado das duas Haze, mãe e filha, ele vai descrever para nós uma relação deturpada entre as duas, de frivolidade e brigas. A mãe anseia por ajustar a menina com reformatórios e Igreja e Dolores, por sua vez, anseia desobedecer, fazer suas próprias experiências, inclusive sexuais, pois ela é avançada. Porém temos que desconfiar também da descrição exagerada sobre a má relação mãe- filha que Humbert nos proporciona, já que ele desejava livrar-se da mãe assim tendo livre acesso à filha.

Humbert vai casar com a mãe da Lo pra se aproximar dela, pensa em drogar as duas para conseguir se aproveitar da menor sem que a mãe perceba. Nisso ele vai mostrar a aversão que tem por mulheres mais velhas, mesmo que elas sejam bonitas, como admite que era a Charlote. Outra coisa que podemos perceber é a confiança ingênua que a mãe Haze tem com o esposo, nunca desconfiou dele ou do passado dele.

A única coisa que Charlote estranha é esse móvel trancado a chave no escritório do marido. É onde está guardado o diário que ele descreve a paixão pela moça. Vai chegar um dia, que Lolita está no acampamento de verão e a mãe vai descobrir o caderno secreto do Humbert. Quando ele chega em casa, Charlote admite o que descobriu e sai porta a fora nervosa para entregar uma carta para a vizinha e nisso ela é atropelada!

Humbert vai pegar essa oportunidade com as duas mãos, não vai assumir a guarda da menina, mas planeja encontrá-la no acampamento e viajar com ela pelo país apenas informando que a mãe está hospitalizada. De fato cumpre esse plano. A moça continua tento uma relação do tipo “incestuosa” com o padrasto, imaginando que a mãe está no hospital. Aqui temos certeza que Dolorez não é uma menina ingênua, mas muito sexualizada.

Porém vai chegar um ponto em que Lo vai dará falta da mãe de maneira que Humbert admite que Charlote morreu.

Atenção

Isso é o final da primeira parte do livro. Aqui é a grande virada para aqueles que até então entendem que Lolita seduziu Humbert e manipulou ele.

” No Hotel ficamos em quartos separados, mas no meio da noite ela entrou soluçando no meu, e fizemos as pazes com muita suavidade. Entendam, ela não tinha absolutamente mais lugar algum aonde ir.”

Pg 166

Como percebemos, a moça está sozinha no mundo, contando apenas com seu abusador. O que fazer se não unir-se à ele de alguma forma?

A partir da segunda parte do livro, vemos o Humbert mais auto piedoso que nunca, mais ciumento e uma Lolita que começa a tentar tirar vantagem da sua situação. As barganhas começam. Desde bebidas, doces, roupas, ir no cinema, sair pra patinar ou fazer teatro, tudo barganhado por meio de “favores”, só assim ela ganha o que quer. De certa forma Humbert ensina Lo a se prostituir.

O sofrimento de Lolita

Lembrei de um filme: ACREDITE EM MIM: A HISTÓRIA DE LISA MCVEY, uma história real de uma moça que é sequestrada e estuprada, e a maneira que ela consegue escapar dele é por meio de uma bajulação. Ela não teve uma Síndrome de Estocolmo, em que a vítima se apaixona pelo agressor, ela apenas usa de manipulações e barganhas pra se defender!

Aqui Lolita passa pela mesma coisa, ao viver na mão de seu agressor o único controle que tem de sua vida passa a ser por meio de barganhas.

Várias são as passagens ao longo do livro que mostram a insatisfação de Dolores com a vida miserável que vinha levando. Na página 331 Humbert admite que Dolores era uma menina que tinha profundidade, mas ele não conseguiu perceber isso porque ela não se abria com ele, revelava apenas a menina reclamona e insatisfeita como forma de velar sua intimidade ao seu agressor.

Vai chegar um ponto que a Lolita vai fugir. Quando ele finalmente encontra a moça já se passaram 3 anos e ela está com um noivo e grávida. Ela conta que passou por várias tristezas e dificuldades e mora numa casa pobre e mesmo com tudo isso Humbert só quer saber quem a ajudou a escapar e só sente pena de si mesmo. Chega a perguntar se ela aceitaria viver com ele ao que ela responde com toda a certeza que não. Não responde de nenhuma forma agressiva, mas nesse ponto já somos capazes de compreender o impacto negativo na vida dela e tudo que ele representa.

Detalhe sobre posfácio, nas ultimas linhas o autor diz que marca com lápis diversas partes dos seus livros de Lolita, com pontos de interrogação, exclamação e escreve diversos comentários, não de um erudito, mas de alguém que se surpreende com a história. Identifiquei-me muito, meu livro também ficou cheio de sublinhados, palavras circuladas, traduções, exclamações gigantes, comentários indignados e assim por diante, nada erudito, mas é essa surpresa com a história que faz a gente querer destrinchar um livro, e as observações que fazemos sempre podem ser relevantes.

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Autor

  • Suzana Sant'Anna

    Sou youtuber do canal Lendo enquanto há tempo. Gosto de recomendar aquilo que estou lendo. Gosto de organização e outros temas da vida, o universo e tudo mais.

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